A 5ª Turma do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) mandou a Justiça Estadual processar e julgar o suposto envolvimento do filho do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), Rodrigo Souza e Silva, em um esquema de fraude em licitação, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo recursos do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito). Os crimes são investigados pela Polícia Federal no âmbito da Operação Motor de Lama, sétima fase da Lama Asfáltica, deflagrada em novembro passado.
O acórdão se deu no julgamento de um habeas corpus apresentado pela defesa de Rodrigo, que pedia o envio do processo ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). O recurso ainda buscava a anulação das ações de busca e apreensão contra ele, a limitação de acesso a objetos e dados obtidos a partir do comprimento destes mandados, bem como a reversão da quebra de sigilo bancário e fiscal.
Em decisão liminar de dezembro de 2020, o desembargador Paulo Fontes já havia determinado a suspensão das investigações contra o filho do governador até o julgamento em definitivo do habeas corpus - o que foi feito nesta segunda-feira.
Relator do recurso na 5ª Turma, Fontes acatou parcialmente o pedido da defesa e entendeu pela incompetência da Justiça Federal em julgar o suposto envolvimento de Rodrigo Souza e Silva no caso. Segundo ele, a representação da Polícia Federal não trouxe “elementos que configurem ofensa a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas”.
O desembargador interpretou ainda que manter o inquérito policial relativo a Rodrigo na Justiça Federal por uma suposta evasão de divisas por parte de outros investigados “seria indevida exacerbação do mecanismo da conexão”. Paulo Fontes se refere aos indícios de que o dinheiro desviado do Detran-MS era enviado ao Paraguai por meio de uma rede de doleiros, em operações financeiras semelhantes ao método conhecido como “dólar-cabo”.
O voto do relator foi acompanhado por unanimidade. O “rebaixamento” das investigações à Justiça Estadual ainda foi estendido pelo TRF3 a Antônio Ignácio de Jesus Filho, sócio da Ice Cartões Especiais Ltda e também alvo da Motor de Lama.
Indícios apontados pelas investigações da Polícia Federal no âmbito da Operação Motor de Lama implicam Rodrigo Souza e Silva na transição e na continuidade do esquema de corrupção no Detran-MS a partir da eleição do pai, em 2014.
As irregularidades investigadas consistem no favorecimento da Ice Cartões Especiais Ltda em licitação para emissão de CNHs (Carteiras Nacionais de Habilitação), rastreamento e monitoramento de lacres de segurança em placas veiculares. Em contrapartida, a empresa pagava propina correspondente a até 10% sobre o valor recebido pelos serviços prestados. O repasse seria feito via empresas de tecnologia e informática ligadas a Antonio Celso Cortez e João Roberto Baird.
As investigações conseguiram rastrear ao menos um beneficiário da propina – André Luiz Cance, ex-secretário-adjunto de Estado de Fazenda. Cance operava o esquema e ficava com 1% do que a Ice Cartões recebia pelo contrato.
Rodrigo Souza e Silva foi flagrado em interceptação telefônica, em dezembro de 2014, quando falava com Cance. Àquela altura, seu pai Reinaldo se preparava para assumir o governo estadual.
O diálogo indica a marcação de um encontro com Antonio Ignacio Filho em São Paulo (SP). Rodrigo e André Cance teriam se deslocado até a capital paulista no dia seguinte à ligação, a bordo da aeronave Phenon PP-JJB, de Baird e João Alberto Krampe Amorim dos Santos, o João Amorim. O avião ficou conhecido pelo apelido de “Cheia de Charme” após ser apreendido na segunda fase da Lama Asfáltica, a Operação Fazendas de Lama.
Os investigadores acreditam que Rodrigo e Cance foram até São Paulo para tratar da manutenção e, consequentemente, da transição da negociata com a Ice Cartões no Detran-MS.
A mesma viagem teria sido aproveitada para tratar de outro esquema de pagamentos de propina, desta vez, pelo grupo JBS. O favorecido seria o próprio Reinaldo Azambuja, denunciado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o tucano recebeu R$ 67,7 milhões em propina da JBS, entre 2014 e 2016, por meio de doações de campanha e emissão de notas fiscais falsas de venda de gado e carne - os “bois de papel”. Em troca, Reinaldo concedeu isenções fiscais ao grupo, que desfalcaram os cofres estaduais em R$ 209,7 milhões.
Outro elo entre o esquema no Detran-MS e os pagamentos ilícitos da JBS ao governador de Mato Grosso do Sul é o corretor de gado José Ricardo Guitti Guimaro, o “Polaco”. Ele também teve sigilo bancário e fiscal quebrado no bojo da Motor de Lama.
As investigações revelaram transferências que somam R$ 1,930 milhão da conta de Antonio Celso Cortez para a Polaco, em 2015 e 2016. À medida que os repasses para Polaco cresceram, os pagamentos para André Cance diminuíram, o que, para os investigadores, ratifica a transição do esquema.
Polaco é apontado pelo MPF como arrecadador de propina da JBS ao governador Reinaldo Azambuja. Em algumas ocasiões, as remessas de dinheiro recolhidas eram entregues pessoalmente por Polaco a Rodrigo, conforme indicaram as investigações da Operação Vostok.
A sétima fase da Operação Lama Asfáltica, batizada como “Motor de Lama”, investiu contra 15 alvos. Investigados em fases anteriores da ofensiva voltaram à mira.
A Polícia Federal, junto com agentes da Receita Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União), cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços ligados a João Roberto Baird, João Amorim, Antônio Celso Cortez e Antonio Celso Cortez Júnior, André Cance, e Rodrigo Souza e Silva. Além deles, também foram alvos Quirino Piccoli, dono da CQP Transportes Ltda e a Transpiccoli Transporte Ltda, e Alexandre Souza Donatoni, apontado como “testa de ferro” de Baird.
Após o pagamento da propina, o esquema culminava com a evasão de divisas para o Paraguai através de operações financeiras semelhantes ao método de “dólar-cabo”. Neste sistema, os recursos são transferidos de forma eletrônica para o exterior, através de uma rede de doleiros.
As fraudes e propinas pagas a integrantes da organização criminosa levam a um prejuízo de pelo menos R$ 400 milhões, se consideradas as sete fases da operação.
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